24 de dezembro de 2015

Paganismo e Veganismo: encontros e desencontros.


Bem, vamos lá discutir um tema pra lá de polêmico, e por isso mesmo interessante. Antes de tudo quero deixar claro que vou expor aqui a minha visão ok? Não falarei em nome de nenhum movimento do veganismo/vegetarianismo e nem do paganismo. Mas quero despertar sobretudo no Paganismo, e especialmente no Druidismo (que é a tradição a qual faço parte) essa reflexão. Reflexão, ok?! De forma nenhuma quero impor minha ideia a alguém ou comunidade.
Pois bem, vamos lá.

Sou nova nesse ramo do veganismo (embora eu não me considere vegana, e vou explicar mais adiante o porquê). Nova mesmo, comecei a mudar meus hábitos alimentares tem umas duas semanas. Mas bem antes disso já conhecia um pouco sobre a proposta do movimento e a achava interessante. Eu decidi parar de comer carne (de gado e de frango, ainda estou comendo peixe e lutando pra eliminar de vez o leite e ovos da alimentação, mas já consegui reduzir bastante. Enfim, ainda estou em fase de adaptação ^^ ). Essa decisão veio quando vi um vídeo de uma fazenda produtora de laticínios na Nova Zelândia e a forma cruel como tratam as vacas e seus filhotes... E não é difícil pensar que isso também ocorre no Brasil. As vacas são mantidas constantemente prenhas, são fertilizadas artificialmente e quando elas dão a luz, seu filhote é retirado dela poucas horas depois que nasce e levado para morrer ou outro destino semelhante...
É visível o sofrimento da vaca, e também do filhote... Isso mexeu muito comigo... E nessa hora decidi que não queria fazer mais parte disso. Além disso, o fato de que grande parte dos desmatamentos e conflitos de terra na Amazônia se dão em razão dos latifúndios e fazendas de gado. Isso tudo contribuiu para a minha decisão. E ainda tem mais um fator, há uns meses atrás eu tive plena consciência de que meu corpo tem vida e vontade própria. Ok, quando a gente estuda paganismo e espiritualidades antigas, a gente sabe que nosso corpo tem uma sabedoria... Mas entre saber e ter consciência disso, é outra coisa... Sempre que eu comia um lanche desses de rua ou fast food (de hambúrgueres a pizza) eu passava mal, de dar dor de barriga pouco tempo depois que eu ingeria a comida. Percebi que era meu corpo dizendo: “Moça, eu exijo respeito e não tolero essas porcarias que você põe pra dentro. Obrigada, de nada”. Então, abaixei a cabeça e “ouvi” a sábia voz do meu corpo...

Mas aí vem a questão, meus ancestrais comiam carne, ofereciam inclusive uma parte do alimento às divindades e usavam o couro para produzir desde roupas a tambores sagrados... Ok. Verdade. MAS, meus ancestrais viviam em outro tempo e tinham uma outra relação com os animais e tudo a sua volta. Eles cuidavam e criavam dos animais que um dia seriam sacrificados e comidos em comunidade, havia um respeito muito maior pela vida do animal do que temos hoje. Hoje o animal (e quase tudo em nossa sociedade) é objetificado, mercantilizado, desconsidera-se qualquer dignidade a sua vida e ao seu espírito (pois na visão pagã, os animais tem alma sim, e são tão ou mais sábios/evoluídos do que os humanos). E, a não ser que você viva num sítio ou fazenda e crie seus próprios animais, nós hoje não temos nenhuma relação com eles, simplesmente pegamos um pedaço de carne na prateleira de um supermercado e pronto.

Por isso resolvi aderir ao vegetarianismo/veganismo, mas não me considero vegana... Pois ainda toco meu tambor sagrado e tomo hidromel de vez em quando. Evito ao máximo comprar produtos transgênicos e de marcas que agridem ao meio ambiente ou fazem testes em animais. No entanto, não curto muito ficar compartilhando no facebook coisas com imagens fortes ou cruéis de animais sendo mortos em abatedouros ou coisa do tipo... (mas não critico quem faça isso, pois de certa forma isso dá uma visibilidade importante para a questão. Ok, só não toda hora porque já é demais rsrs).
Eu parei de comer carne e laticínios no meu dia-a-dia, nesse contexto em que vivo, num meio urbano e capitalista. Mas se um dia eu for para uma aldeia indígena ou comunidade tradicional e me oferecerem um peixe ou uma comida com carne animal, eu aceito sem problemas. Porque eu sei que a relação que os indígenas tem com o animal é bem diferente da que nós, não-indígenas, temos na cidade. Eles agradecem ao rio ou ao espírito do rio pelo peixe que foi dado, agradecem ao peixe que serviu como alimento para toda a comunidade, agradecem antes e depois de caçar ou matar o animal. E isso para mim, como pagã e druidista, é importante. Quantos abatedouros fazem isso? ...

Agora, eu penso que se toda a população do planeta parasse de comer qualquer tipo de carne, teríamos um outro desequilíbrio. Porém, é fato que se no momento pararmos ou reduzirmos consideravelmente o consumo de carne e laticínios vamos minimizar bastante os problemas de desmatamento e aquecimento global. Sem falar que uma mudança como essa não é só de hábitos alimentares, é também do modo de pensar e de se relacionar com a própria comida. Você tem que fazer o seu alimento – ou seja, acabou a vida de comer fora (a não ser que seja numa lanchonete/restaurante veg) –, e algumas pessoas até plantam vegetais em suas hortinhas, o que é muito legal. E isso vai totalmente ao encontro com o (neo)paganismo, que ensina que devemos retomar nosso contato e relação profunda com a Terra.
Mas ainda é difícil para um pagão ser vegano totalmente... (por algumas razões que citei acima... o tambor, o hidromel...), embora conheça alguns que o são. Talvez precisemos encontrar um equilíbrio, um meio termo e um termo propriamente... “Paganveg”? Mas isso não importa muito, acredito que cada um deve seguir com seus princípios e buscar uma alimentação mais consciente sim. Afinal, se acreditamos que nosso corpo também é sagrado é importante refletir sobre o que colocamos dentro dele.
Sobre virar veg (ou “paganveg”?) ou parar de comer carne... Sim, é difícil no começo... É ser contra todo um sistema que te impõe o que comer ou não comer. É nadar contra a corrente, mas quem é pagão já tem nadadeiras mais fortes ;) .



(Não escrevi tudo o que queria escrever, até porque não queria que fosse um texto longo e chato. E também foi difícil traduzir em palavras escritas todas as ideias e pensamentos que ainda estão borbulhando na minha mente sobre esse assunto. Mas espero que abra para a reflexão no meio pagão e possamos discutir “de boas” essa e outras questões).

16 de dezembro de 2015

Espiritualidade feminina, ecologia e coletor menstrual.

(texto publicado primeiramente no site aterrasagrada.blogspot.com)




Tem quase um ano que comecei a usar o “Copo da Lua”, como gosto de chamar o meu coletor menstrual, e desde então só tenho tido experiências maravilhosas com ele! Resolvi escrever um texto falando um pouco sobre isso, ainda mais porque li recentemente algumas dúvidas de meninas no Facebook. Então bora lá...

Primeira coisa, ao ler esse texto desprenda-se de qualquer preconceito e abandone pensamentos como “ah que nojo...”, “ah credo...”, “ah isso”, “ah aquilo...”, ok? Estamos falando de nossos corpos e tudo o que ele abrange, e dentro da Espiritualidade Feminina o nosso corpo é sagrado! O corpo feminino, sobretudo, já passou tempo demais sendo objetificado e desvalorizado em todos os aspectos. Tá na hora de reconhecermos o poder que ele tem e a força de nossos ciclos sagrados, ok mulherada?! (e macharada também, bora mudar esse comportamento/paradigma aê!).

Bom, antes de eu começar a usar o Copo da Lua eu já o tinha em casa, quero dizer, já tinha comprado ele fazia uns anos, mas nunca tinha conseguido usar, então ficava lá, guardado na minha gaveta... mas nunca esquecido. Até que nos últimos anos, meus estudos sobre a Espiritualidade Feminina e o Ecofeminismo começaram a se intensificar. Aí pensei, “hum... acho que tá na hora d’eu tomar vergonha na cara e aprender a usar esse coletor”. Então, comecei a participar de grupos no Facebook que tratavam sobre o assunto (coletores menstruais) e a conversar com amigas minhas que já usavam. Foi quando pude esclarecer um monte de dúvidas que ainda tinha sobre como usar o Copo da Lua.

Que ele é muito mais ecológico que os absorventes descartáveis, eu já sabia (pois o coletor é reutilizável e o absorvente não né? Sem falar que este último possui um monte de substâncias químicas, e ao ser descartado no lixo, ou seja, na natureza, vai provocar um dano terrível ao planeta... ainda mais em grandes quantidades; imaginem quantos absorventes vão parar no lixo todo dia, no mundo todo?!!). E que ele é muito mais higiênico que os ditos absorventes, eu também sabia (pára pra pensar, o absorvente fica ali, horas abafando a sua Yoni*, o sangue coagulando e proporcionando inclusive a proliferação de fungos, porque a Yoni fica abafada, e fungo adora uma umidade e um calor...).

Enfim, a minha dificuldade era colocar o coletor lá dentro...
E isso tinha a ver (hoje eu entendo) muito mais com a minha relação com meu próprio corpo do que se o coletor prestava mesmo ou não.
Bem, nesse quase um ano de uso do Copo da Lua eu vou mencionar alguns aspectos positivos (os negativos são muito poucos, e para mim, são praticamente nulos) das experiências que venho tendo com ele ok? Sempre relacionando com a Espiritualidade Feminina, afinal, é do que mais se trata esse site! ;)

Sobre as experiências boas (diga-se, maravilhosas!) de se usar o coletor...

1. Eu colocaria como primeira, a mudança na relação que a gente tem com nosso próprio corpo. Ou seja, você começa a se olhar diferente, a se conhecer. Como falei antes, o corpo feminino ao longo dos últimos séculos foi sobrecarregado de tabus e proibições que só prejudicaram as mulheres. Nós não conhecemos nossos corpos, algumas (muitas) mulheres ainda têm nojo de seu próprio corpo, de sua yoni, de seu sangue, etc. É muito difícil ainda para a grande maioria das mulheres ter uma relação saudável com sua própria menstruação ou conseguir sentir prazer numa relação sexual... Porque por muito tempo, a mulher foi subjugada e condenada ao status de pecadora, e à ela só cabe sentir dor, não prazer. E isso é um absurdo! A mulher tem um órgão em seu corpo cuja função é unicamente proporcionar prazer a ela (estudos científicos recentes estão comprovando isso), e esse órgão é o clitóris. Mas muitas de nós sequer sabe o que é o clitóris... Fomos ensinadas a ser recatadas, a ver o sexo ou o desejo como pecado, e isso demora a ser desconstruído na psique de uma mulher... Demora mesmo, é um processo.

Pois enfim, voltando ao foco, quando usamos o Copo da Lua inevitavelmente entramos em contato com nossos corpos, com nossa yoni. Temos que tocá-la, saber onde ficam os grandes e pequenos lábios, a entrada da yoni etc. Ao contrário de usar absorvente que você apenas coloca na calcinha e depois tira e joga fora, sem mal olhar para o sangue que flui do seu ventre e muito menos para o seu órgão.

2. Segunda coisa legal de usar o coletor, você vê o seu sangue! E ele não fede (como acontece quando usamos absorventes, porque eles abafam ali a região, lembra?). Quando se tem uma compreensão diferente ou, melhor dizendo, sagrada com nosso sangue menstrual você o olha com outros olhos... Na Espiritualidade Feminina o sangue menstrual representa tudo aquilo que seu útero está limpando de seu corpo e da sua vida. Toda energia acumulada, estagnada ou em desarmonia que esteja em seu Ser durante o último ciclo, é eliminada de seu corpo. Vemos o sangue então, não como algo sujo ou impuro, mas como um fluxo sagrado de transformação. Ele está te limpando para que um novo ciclo possa começar. Todos os meses as mulheres vivem um ciclo de vida-morte-vida... Saber reconhecer a força desse momento é o primeiro passo para honrar-se como mulher sagrada que você é.  E a cor vermelha?! Ah... Aquele vermelho vivo, intenso... É a cor da Vida!

3. Terceira coisa legal, você pode ficar até 12 horas com o coletor dentro de você! E então, é só lavar com sabão neutro, lavar sua Yoni e colocar de novo. Você pode tirar o coletor para limpar a cada 8 horas ou quando achar necessário, mas não recomendo que passe de 12 horas direto, porque aí sim o sangue (e o coletor) pode ficar com um cheiro ruim. Além disso, não vaza! Quem usou absorvente sabe como é uma chatice quando vaza sangue na calcinha né? Pois é, o coletor não deixa vazar nada! Só vaza se foi mal colocado (e para saber isso só você vai dizer, vai sentir... geralmente incomoda quando não está certinho no lugar). Ou seja, pode dormir de boas com o Copo da Lua!

4. Dê adeus aos gastos com absorventes descartáveis ou “ob’s”! Adoro passar pelas prateleiras de absorventes no supermercado e pensar: “Não preciso mais disso... ;)” . Mesmo que o coletor pareça caro no primeiro momento (em torno de 80 reais), compensa muito, pois a vida útil dele é de 10 anos. Sem falar que serão centenas de absorventes que você não irá jogar no lixo depois, né? Um pequeno alívio para a Mãe Terra...

5. Quando comecei a usar meu Copo da lua também comecei a fazer anotações sobre meu ciclo menstrual. Peguei um caderno simples, que chamo de “Caderno Lunar”, decorei com uma capa legal e me pus a anotar meus sonhos mais significativos, minhas sensações, intuições, emoções, pensamentos, algumas poesias, sempre registrando a fase da lua e a data em que vinha e ia embora minha “Lua Vermelha” (menstruação). Como se fosse um diário mesmo... Embora eu não escreva nele todo dia. Com o tempo você vai compreendendo melhor em qual fase da lua está mais disposta e em qual não está tanto assim... Em que momento você tem sonhos mais vívidos e o que eles significaram depois para você... O que suas emoções estavam lhe dizendo... E por aí vai. É um método muito interessante de autoconhecimento. Recomendo que façam isso, mesmo quem prefere não usar o coletor.

6. E a última coisa legal que menciono aqui (pois não dá para eu citar todas as coisas, estou relatando brevemente as que acho mais relevantes de escrever agora) é em relação ao modo de colocar o Copo da Lua. Como falei no início do texto, minha maior dificuldade era colocar o coletor, porque eu achava que o coletor era muito grande para mim, mas na verdade ele é do tamanho adequado e o problema estava em como eu estava tentando coloca-lo, ou seja, a posição. Quase todas as meninas que li comentando sobre essa questão e conversando com minhas amigas depois, diziam que a melhor posição para colocar o coletor era de cócoras. Quando fui tentar, na primeira vez não deu muito certo, pois estava tensa (e é muito importante que estejas relaxada), mas no dia seguinte na segunda tentativa deu tudo certo! Meu Copo da Lua entrou com facilidade e senti uma onda de alegria imensa! Com o tempo fui percebendo que a posição de cócoras carrega muito mais significado e simbolismo do que eu imaginava... As mulheres antigas quando se reuniam com outras mulheres na “tenda vermelha” (quando estavam todas menstruadas) costumavam ficar de cócoras em alguns momentos para deixar fluir na terra o sangue e ao mesmo tempo ofertar à Mãe-Terra esse sangue sagrado.
De cócoras é a posição que muitas mulheres dão à luz quando estão parindo uma criança.
De cócoras é a posição em que a figura/deidade mais emblemática e misteriosa, a meu ver, da mitologia celta se apresenta: Sheela-na-Gig. Ela está com as pernas bem abertas, com as mãos abrindo ou tocando a vulva, que mais parece um portal por onde algo ou alguém vai sair ou mesmo entrar. Sheela-na-Gig para mim está profundamente relacionada aos mistérios femininos, aos ciclos de vida-morte-vida e ao poder da Lua Vermelha que cada mulher carrega.



Todo mês, quando a Lua vem me visitar e eu me posiciono de cócoras para colocar meu Copo da Lua, eu penso em Sheela-na-Gig, me conecto com essa força ancestral, bem como com todas as minhas ancestrais... Me permito ser limpa, transformada e curada pelo meu sangue sagrado. E com isso abençoo meu útero, meu ventre e todas as minhas relações, seja com as mulheres que vieram antes de mim, seja com aquelas que virão depois.


Bem, era mais ou menos isso que tinha para compartilhar. Convido agora vocês, mulheres, irmãs, para refletirem e se quiserem experimentar e vivenciar não só o Copo da Lua, mas, sobretudo, o seu corpo e o seu sangue, que são sem dúvida Sagrados.




* Yoni: nome menos pejorativo e mais sagrado de chamar a vagina; proveniente da tradição hindu, especialmente do Tantra. 


(Texto por Mayra Darona Ní Brighid. Escrito em 15/12/2015, Lua Nova).

5 de dezembro de 2015

Eu sou...



Sou o Cisne que lança voo em direção ao poente...
Sou o Carvalho que cresce firme sobre a terra...
Sou o Gavião que descansa no alto da mãe Samaúma...
Sou a Corça que caminha docemente pelos bosques...
Sou o vento que sopra na alvorada...
Sou a terra molhada depois da chuva...
Sou o sol nascendo no santo Dia de Brighid...
Sou a terra abaixo de meus pés...
Sou o céu acima da minha cabeça...
E sou as águas que fluem dentro e ao redor de mim.

(por Mayra Darona Ní Brighid, em 05/12/2015,
Lua Negra, pós Lua Vermelha)