11 de julho de 2016

MACHA, deusa da Soberania e protetora das mulheres


Macha é a Deusa celta da soberania, do poder feminino, da força da Terra... Está relacionada à fertilidade, ao ciclo da vida-morte-vida e seu animal sagrado é o Cavalo.

Uma de suas histórias conta que havia um chefe tribal da região de Ulster (norte da Irlanda), Crunniuc, que era viúvo e há muito tempo estava triste e sem vontade de viver... Um belo dia chegou à sua casa uma mulher forasteira, muito bonita, bem vestida e com aura de nobreza. Sem dizer quase nada ela entrou em sua casa (e em sua vida), colocou ordem nos aposentos, nos serviçais e trouxe harmonia para o seu lar... Essa estranha e fascinante mulher conquistou o coração de Crunniuc e ele voltou a sentir alegria em viver. Ela correspondia o seu amor e não lhe pedia nada em troca, apenas que a honrasse e que guardasse segredo sobre sua verdadeira natureza (que ela era uma mulher dos Sídhe, do Outro Mundo). E ele concordou feliz.

Tempos se passaram e eles viviam contentes e em paz, mas algumas pessoas da vila sentiam um estranhamento ou medo diante daquela estranha mulher... Embora ela sempre tratasse todos bem e fosse gentil, ninguém sabia de onde ela vinha, como havia chegado ali, ou mesmo o seu verdadeiro nome... Boatos dos mais estranhos circulavam... Bruxa, feiticeira, fada, rainha...? Ninguém sabia quem ela era, mas ainda assim mantinham certo respeito à mulher.

Com o tempo, um fruto do amor foi gerado, a mulher estava grávida e logo daria à luz. Era também época de um grande festival, quando várias tribos e clãs do Ulster se reuniam para celebrar, fazer acordos, feiras, competições, entre as quais a mais esperada era a corrida de cavalos! Crunniuc não podia deixar de ir, como um chefe ele tinha que estar presente. Antes de partir, a mulher aconselhou que não exagerasse na bebida, pois temia que ele dissesse coisas que não deveria... Com um beijo e uma benção eles se despediram.
Tão logo ele partiu e a mulher começou a sentir as primeiras dores do trabalho de parto, e se recolheu em sua casa para ter a criança...

Crunniuc se divertia no festival, conversava, bebia, e bebia bastante... esquecendo-se do conselho de sua mulher. No auge do festival se deu a corrida de cavalos. Todos se aglomeraram eufóricos para ver os melhores cavalos e os melhores cavaleiros disputarem. O cavalo do Rei e seu cavaleiro eram os mais fortes e muitos apostavam que eles iriam vencer, mas Crunniuc que não se conteve lançou uma arriscada aposta... Falou para todos ouvirem... “Eu aposto que minha mulher corre mais do que qualquer cavalo de toda a terra de Ériu! Mais até do que o cavalo do próprio rei!”.
Todos silenciaram diante daquela aposta que era quase uma afronta ao rei... Este então disse... “Prove então! Traga sua mulher para correr com os cavalos e veremos! Cumpra o que diz, se não pagará com a vida pela afronta a mim dirigida.”

Prontamente, servos do rei partiram em disparada para a casa de Crunniuc buscar sua mulher. Quando a encontraram e lhe explicaram o que havia acontecido, ela suplicou aos homens: “Por favor, tenham piedade... Estou com muitas dores e minha criança logo irá nascer”. Mas eles insistiram dizendo que se ela não fosse seu marido iria morrer. Contrariada ela foi... Ao chegar lá a mulher foi colocada diante do rei e novamente suplicou: “Por favor, tenha piedade... Como vê estou prestes a ter minha criança... sinto muitas dores, não tenho condição de correr agora. Mas lhe dou minha palavra que depois que me recuperar do parto cumpro o que lhe foi prometido”. O rei recusou e a obrigou a correr, se quisesse salvar seu marido. Recorreu uma última vez aos homens, mulheres e crianças que assistiam o evento: “Por favor, eu peço piedade... Lembrem-se que todos vocês vieram de uma mãe que passaram pelo que estou passando agora... Deixem-me ter minha criança em paz, eu suplico!”, ela falou enquanto chorava e sentia cada vez mais forte as dores do parto. Mas ninguém atendeu seu pedido...
Sem saída, a mulher foi obrigada a correr com os cavalos. O rei deu a largada e todos saíram em disparada! A mulher, mesmo em desvantagem e cansada, correu, correu e correu o mais rápido que podia! E para o espanto de todos ela venceu!

No alto de uma colina e rodeada pelos cavalos, a mulher quase sem forças deu o grito que trouxe seus filhos gêmeos ao mundo! O grito pôde ser escutado por toda a ilha... As pessoas que ali estavam ficaram assustadas e fascinadas pela força daquela mulher. Enquanto a observavam em espanto, a mulher levantou-se com os bebês no colo e disse à todos: “Pela desonra que me fizeram sofrer, deste dia em diante durante cinco dias e cinco noites por nove gerações, eu condeno todos os homens do Ulster no momento em que mais precisarem de suas forças a sentirem as dores do meu parto!”

Em meio a multidão assustada um homem perguntou: “Quem é você mulher?”. E ela respondeu: “Eu Sou Macha! E para sempre esse lugar terá o meu nome!”
E assim aquela colina foi chamada desde então “Emain Macha” (Os gêmeos de Macha).

Após dizer aquelas palavras a Mulher desapareceu e nunca mais foi vista... Crunniuc caiu em profundo arrependimento e desgraça, e todas as pessoas ali jamais se esqueceram daquela mulher.


Sinto que Macha está muito próxima de nós... Em tempos em que a mulher ainda sofre violência de todo o tipo e onde o Feminino vem sendo desvalorizado, Ela vêm à nós (homens e mulheres) para nos lembrar de onde todos nós viemos: de um Ventre. E que devemos honrar esse sagrado ventre, respeitar o milagre da vida e a força da Terra. Às todas as mulheres, em especial aquelas que um dia foram humilhadas ou agredidas, Macha vêm para nos lembrar de nossa verdadeira natureza: que somos divinas, que somos Deusas!

Macha chama por todas nós! Nos acolhe em seu abraço de Mãe, cura nossas feridas, nos nutre e fortalece. Macha chama por todos os homens para que despertem de sua ignorância, que relembrem sua memória antiga e honrem novamente o Ventre de onde vieram!

Sláinte Macha!!!

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(Mito de Macha recontado por Mayra Darona Ní Brighid).

1 de fevereiro de 2016

Cailleach e Brighid (uma história de Imbolc)


"Cailleach, a Velha Esposa, é a senhora do Inverno. Mãe Ancestral de Deuses e homens... Ninguém sabe dizer quantos anos ela realmente tem. Ela já teve tantos maridos, mas tantos... E todos já morreram, mas ela ainda vive.
Aqueles que já a viram dizem que ela é uma gigante muito velha, com a pele toda enrugada, azul, e veste uma manta branca como a neve. Um dia ela carregava na bainha de sua roupa pedras que ia usar para construir sua casa, e durante a caminhada se descuidou e deixou cair algumas pedras. No lugar onde elas caíram, círculos de pedras foram formados.

Cailleach tem também um grande machado, outros dizem que é um cajado, e o chão que ele toca fica congelado... É com ele que Cailleach faz as tempestades invernais e os trovões acontecem quando a Velha Esposa bate com ele no chão.
As vezes Cailleach é gentil, como a  chuva que vem para fertilizar a terra. Mas as vezes ela é cruel... como a enchente que varre nossas casas, ou a geada que castiga nossa gente e os animais. Por isso precisamos sempre respeitar a senhora Cailleach, nunca sabemos como está o seu humor.

Quando o inverno vai ficando mais longo e duro, mais a Cailleach vai envelhecendo... Envelhecendo... Envelhecendo...
E quando ela já está tão velha e fraca, mas ainda com um pouco de força em seus ossos, ela viaja para o Oeste, para onde o Sol se põe e aonde existe uma ilha abençoada no Mar distante. Lá, nessa ilha, existe uma fonte de água pura que brota de uma enorme pedra. Cailleach, já tão cansada da viagem que fez e sentindo-se muito fraca e velha, bebe dessas águas, banha-se nessas águas... E como um milagre da natureza ela torna-se jovem de novo! Sua pele, antes enrugada e feia, fica jovem e bela! Seus cabelos, antes ralos e brancos, ficam volumosos e reluzindo num tom rubro-dourado como o Sol! Seus olhos, antes caídos e sem vida, agora estão azuis como o céu limpo da manhã e explodindo vida! Seu corpo jovem e com força! Sua voz, não mais rouca, mas linda e doce, como a melodia de uma harpa. A Velha Esposa agora é a Jovem Noiva, é Brighid! Rainha da Primavera! E assim, ela retorna para o Leste, para a Terra, e por onde ela caminha vai deixando um rastro de flores, despertando a vida da terra e de todos os seres. E por onde quer que ela vá, ela deixa sua luz e calor, despertando o Fogo na mente dos homens, mulheres, crianças, amantes e poetas. E aonde quer que ela esteja, ela varre para longe as resmas do inverno e do velho ano, trazendo a cura para todos aqueles que à ela pedem, com o coração cheio de esperança como o de uma criança."


 (por Mayra Darona Ní Brighid)

24 de dezembro de 2015

Paganismo e Veganismo: encontros e desencontros.


Bem, vamos lá discutir um tema pra lá de polêmico, e por isso mesmo interessante. Antes de tudo quero deixar claro que vou expor aqui a minha visão ok? Não falarei em nome de nenhum movimento do veganismo/vegetarianismo e nem do paganismo. Mas quero despertar sobretudo no Paganismo, e especialmente no Druidismo (que é a tradição a qual faço parte) essa reflexão. Reflexão, ok?! De forma nenhuma quero impor minha ideia a alguém ou comunidade.
Pois bem, vamos lá.

Sou nova nesse ramo do veganismo (embora eu não me considere vegana, e vou explicar mais adiante o porquê). Nova mesmo, comecei a mudar meus hábitos alimentares tem umas duas semanas. Mas bem antes disso já conhecia um pouco sobre a proposta do movimento e a achava interessante. Eu decidi parar de comer carne (de gado e de frango, ainda estou comendo peixe e lutando pra eliminar de vez o leite e ovos da alimentação, mas já consegui reduzir bastante. Enfim, ainda estou em fase de adaptação ^^ ). Essa decisão veio quando vi um vídeo de uma fazenda produtora de laticínios na Nova Zelândia e a forma cruel como tratam as vacas e seus filhotes... E não é difícil pensar que isso também ocorre no Brasil. As vacas são mantidas constantemente prenhas, são fertilizadas artificialmente e quando elas dão a luz, seu filhote é retirado dela poucas horas depois que nasce e levado para morrer ou outro destino semelhante...
É visível o sofrimento da vaca, e também do filhote... Isso mexeu muito comigo... E nessa hora decidi que não queria fazer mais parte disso. Além disso, o fato de que grande parte dos desmatamentos e conflitos de terra na Amazônia se dão em razão dos latifúndios e fazendas de gado. Isso tudo contribuiu para a minha decisão. E ainda tem mais um fator, há uns meses atrás eu tive plena consciência de que meu corpo tem vida e vontade própria. Ok, quando a gente estuda paganismo e espiritualidades antigas, a gente sabe que nosso corpo tem uma sabedoria... Mas entre saber e ter consciência disso, é outra coisa... Sempre que eu comia um lanche desses de rua ou fast food (de hambúrgueres a pizza) eu passava mal, de dar dor de barriga pouco tempo depois que eu ingeria a comida. Percebi que era meu corpo dizendo: “Moça, eu exijo respeito e não tolero essas porcarias que você põe pra dentro. Obrigada, de nada”. Então, abaixei a cabeça e “ouvi” a sábia voz do meu corpo...

Mas aí vem a questão, meus ancestrais comiam carne, ofereciam inclusive uma parte do alimento às divindades e usavam o couro para produzir desde roupas a tambores sagrados... Ok. Verdade. MAS, meus ancestrais viviam em outro tempo e tinham uma outra relação com os animais e tudo a sua volta. Eles cuidavam e criavam dos animais que um dia seriam sacrificados e comidos em comunidade, havia um respeito muito maior pela vida do animal do que temos hoje. Hoje o animal (e quase tudo em nossa sociedade) é objetificado, mercantilizado, desconsidera-se qualquer dignidade a sua vida e ao seu espírito (pois na visão pagã, os animais tem alma sim, e são tão ou mais sábios/evoluídos do que os humanos). E, a não ser que você viva num sítio ou fazenda e crie seus próprios animais, nós hoje não temos nenhuma relação com eles, simplesmente pegamos um pedaço de carne na prateleira de um supermercado e pronto.

Por isso resolvi aderir ao vegetarianismo/veganismo, mas não me considero vegana... Pois ainda toco meu tambor sagrado e tomo hidromel de vez em quando. Evito ao máximo comprar produtos transgênicos e de marcas que agridem ao meio ambiente ou fazem testes em animais. No entanto, não curto muito ficar compartilhando no facebook coisas com imagens fortes ou cruéis de animais sendo mortos em abatedouros ou coisa do tipo... (mas não critico quem faça isso, pois de certa forma isso dá uma visibilidade importante para a questão. Ok, só não toda hora porque já é demais rsrs).
Eu parei de comer carne e laticínios no meu dia-a-dia, nesse contexto em que vivo, num meio urbano e capitalista. Mas se um dia eu for para uma aldeia indígena ou comunidade tradicional e me oferecerem um peixe ou uma comida com carne animal, eu aceito sem problemas. Porque eu sei que a relação que os indígenas tem com o animal é bem diferente da que nós, não-indígenas, temos na cidade. Eles agradecem ao rio ou ao espírito do rio pelo peixe que foi dado, agradecem ao peixe que serviu como alimento para toda a comunidade, agradecem antes e depois de caçar ou matar o animal. E isso para mim, como pagã e druidista, é importante. Quantos abatedouros fazem isso? ...

Agora, eu penso que se toda a população do planeta parasse de comer qualquer tipo de carne, teríamos um outro desequilíbrio. Porém, é fato que se no momento pararmos ou reduzirmos consideravelmente o consumo de carne e laticínios vamos minimizar bastante os problemas de desmatamento e aquecimento global. Sem falar que uma mudança como essa não é só de hábitos alimentares, é também do modo de pensar e de se relacionar com a própria comida. Você tem que fazer o seu alimento – ou seja, acabou a vida de comer fora (a não ser que seja numa lanchonete/restaurante veg) –, e algumas pessoas até plantam vegetais em suas hortinhas, o que é muito legal. E isso vai totalmente ao encontro com o (neo)paganismo, que ensina que devemos retomar nosso contato e relação profunda com a Terra.
Mas ainda é difícil para um pagão ser vegano totalmente... (por algumas razões que citei acima... o tambor, o hidromel...), embora conheça alguns que o são. Talvez precisemos encontrar um equilíbrio, um meio termo e um termo propriamente... “Paganveg”? Mas isso não importa muito, acredito que cada um deve seguir com seus princípios e buscar uma alimentação mais consciente sim. Afinal, se acreditamos que nosso corpo também é sagrado é importante refletir sobre o que colocamos dentro dele.
Sobre virar veg (ou “paganveg”?) ou parar de comer carne... Sim, é difícil no começo... É ser contra todo um sistema que te impõe o que comer ou não comer. É nadar contra a corrente, mas quem é pagão já tem nadadeiras mais fortes ;) .



(Não escrevi tudo o que queria escrever, até porque não queria que fosse um texto longo e chato. E também foi difícil traduzir em palavras escritas todas as ideias e pensamentos que ainda estão borbulhando na minha mente sobre esse assunto. Mas espero que abra para a reflexão no meio pagão e possamos discutir “de boas” essa e outras questões).